domingo, 30 de novembro de 2008

Óculos sociais que viram óculos mentais

Todos nós olhamos o mesmo mundo (no sentido físico da palavra), leia-se, todos nós temos à nossa frente os mesmos locais, as mesmas elevações e construções. Mas o que entra pelos olhos de cada um é diferente. Daí vivermos em mais mundos do que é viável definir e concretizar - a riqueza de perspectivas não se coaduna com estatísticas, enumerações, contabilidade, ... É isso que torna a vida divertida.
Mesmo perante coisas tão simples e objectivas como o tamanho de uma pedra, o preço de um artigo ou a eficiência de um produto a multiplicidade de perspectivas é imensa. Para que isso não seja um problema disruptor das necessárias convenções sociais, é necessário estabelecer uma perspectiva comum. Estabelece-se, portanto, um ponto de partida comum, a partir do qual todos nós vemos. Definem-se pontos de partida convencionados e destinos a atingir e faz-se por modelar o caminho de um modo abrangente de todos os envolvidos.
Para efectivar esse olhar comum, todos nós usamos óculos. São uns óculos mentais, que nos apuram a atenção a certos pormenores e nos cegam para outras questões de "menor importância". O problema é que quem não aceita ter miopia ou astigmatismo e, por isso, tenta ver sem estes "óculos" é frequentemente classificado de "extravagante" ou, em casos mais extremos, de "radical" ou até "louco".
E como se efectivam ou são promovidos esses óculos? São concretizados através da divulgação concertada de um modo de vida comum e da focalização das atenções em determinados assuntos. É esse o papel da Política na mais pura acepção da palavra, no sentido definido pela sua etimologia (Política = a ciência de viver em grupo, de regular as relações sociais dentro da pólis; não confundir com política = politiquices partidárias). E a Política concretiza-se nos instrumentos de regulação social adequados e para tal mandatados, mas sempre houve mecanismos de alerta e de contestação da monotonia visual promovida por um olhar comum.
Historicamente, a escola funcionou como modelo de imposição de óculos. Mas sempre houve elementos que procuraram usá-la para
despertar na "próxima geração" a consciência do quanto a sua mundivisão seria condicionada por esses óculos e, assim, promover o pensamento alternativo sem criar conflitos. É a chamada "mudança a partir de dentro". Essa é a escola ideal.
O problema é que esse modelo se está a perder. A contestação surge, mas através dos óculos que mandam contestar. E sem abrir espaço a pensamento alternativo. Assim, a simples possibilidade de conceber uma alternativa à mundivisão imposta está a ser lentamente diluída numa onda de luz e de ruído que cegam e ensurdecem para outras vistas e para outras vozes...

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